PopComics #1: Sandman, de Neil Gaiman

Apesar de ler quadrinhos desde que fui alfabetizado (na verdade, aprendi a ler com as revistas da Turma da Mônica), não sou muito prolixo em escrever sobre a Nona Arte. Mesmo assim, escolhi os quadrinhos como tema de minha dissertação de mestrado, o que tem tomado boa parte do meu tempo, lendo as mesmas histórias com outros olhos. Acontece que a dissertação trata das adaptações de contos de fadas para os quadrinhos modernos, e é impossível falar de tal tema sem conhecer Sandman, a série escrita por Neil Gaiman entre 1989 e 1996, para a DC Comics. Foram apenas sete anos, mas tempo suficiente para revolucionar a indústria de quadrinhos voltados ao público adulto.
Gaiman apossou-se do personagem criado por Hans Christian Andersen no século XVI, que andava com uma algibeira cheia de pó dos sonhos e soprava-o nas crianças, dando-lhes sonhos ou pesadelos. Na visão de Gaiman, o Sandman é Sonho, uma representação antropomórfica do sonhar, um dos sete perpétuos, que domina o Reino do Sonhar, até o dia em que é invocado à dimensão terrena e aprisionado por um místico de quinta categoria, que planejava trazer a Morte ao nosso mundo, afim de aprisioná-la e dominá-la. O perpétuo permanece preso dentro de uma redoma de vidro durante cerca de 70 anos, até conseguir se libertar. Livre para se vingar de seu captor, descobre que o mesmo está morto e ainda por cima se desfez de suas três ferramentas essenciais para que recupere a plenitude de seu poder. Trata-se de três objetos que ele precisa reaver: a algibeira (um saquinho contendo o pó dos sonhos), o elmo e o rubi.
Assim começa o primeiro arco de histórias de Sandman, que teria ainda mais dez arcos, através dos quais Morpheus (que é outro dentre os muitos nomes que Sonho possui, dependendo de qual cultura, humana ou não, o conhece) viaja ao inferno - e engana Lúcifer -, retorna ao seu reino para restaurá-lo, vive aventuras ao lado de sua irmã, Morte, e de outros de seus irmãos perpétuos e aos poucos revela detalhes de sua personalidade e suas histórias do passado são apresentadas.
O encantador em Sandman é o modo como Neil Gaiman conta suas histórias. Sua poesia, fruto de um enorme conhecimento literário e cultural, tem algo de mágico, que prende a atenção do leitor. Os roteiros da HQ parecem, a princípio, incompreensíveis. Mas gradualmente toda a grandeza de uma trama milimetricamente planejada vai se revelando, e personagens e diálogos que pareciam irrelevantes mostram-se fundamentais para a compreensão total da história. É preciso ler as páginas de Sandman com uma atenção redobrada, e ajuda muito reler as edições para que se entenda melhor arcos futuros.
Tudo isso tem a colaboração imprescindível dos artistas que trabalharam cada página como diamantes sendo lapidados: Sam Kieth (creditado como co-criador dos personagens), Kelley Jones,  Dave McKean (capas oníricas maravilhosas), Mike Dringenberg e outros. Kieth é responsável por desenvolver o visual inconfundível de Sonho, que parece um jovem gótico extremamente pálido - os góticos estavam em alta no final dos anos 80.
No Brasil, Sandman já passou pelas editoras Globo, Brainstorm, Conrad, Pixel, até chegar à Panini Comics, que tem publicado a série em formato de megaencadernados, reproduzindo a coleção Absolute Sandman, que se propõe a publicar todas as 75 edições (e todas as minisséries com os outros perpétuos como protagonistas) em 10 encadernados. Infelizmente, o preço proibitivo para a maioria das pessoas mantém Sandman distante de um público maior, ficando relegado à apreciação de poucos. Ainda bem que existe a internet.

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