Assassinato em Gosford Park - Filme de Robert Altman com roteiro oscarizado. Nem precisa dizer mais nada

Dez anos antes de encantar o mundo com sua série Downton Abbey, Julian Fellowes conquistou nada menos que um Oscar de Melhor Roteiro Original em 2001, ao escrever sobre o mesmo tema em Assassinato em Gosford Park (Gosford Park, EUA/Inglaterra/Itália, 2001), drama de costumes dirigido por Robert Altman. Mestre das narrativas recheadas por dezenas de personagens - basta lembrar de M-A-S-H e Short Cuts - Cenas da Vida - Altman realiza mais uma vez um grande trabalho neste filme, que retrata as vidas dos convidados do andar de cima e dos criados do andar de baixo, durante uma festa de caça em uma rica propriedade campestre inglesa, ocorrida em 1932.
Para os mais ávidos por filmes de mistério, o título em português pode trazer algumas decepções, uma vez que o assassinato a que se refere não é o cerne da trama, que se concentra muito mais nos relacionamentos entre aristocracia e criadagem, além de também mostrar pessoas do século 19 lutando para não entrar ainda no século 20.
Com um elenco esplêndido - Maggie Smith (Downton Abbey), Kristin Scott Thomas (O Paciente Inglês), Michael Gambon (o Dumbledore de Harry Potter), Jeremy Northam (da série The Tudors) Bob Balaban (Moonrise Kingdom), Kelly MacDonald (Boardwalk Empire), Clive Owen (Filhos da Esperança), Emily Watson (Cavalo de Guerra), Helen Mirren (A Rainha), Ryan Phillipe (Repórteres de Guerra), Stephen Fry (V de Vingança) e Derek Jacobi (O Discurso do Rei) -, o roteiro consegue equilibrar as várias histórias sem que o espectador se perca, criando um retrato de uma sociedade cheia de costumes centenários, resistindo às mudanças trazidas pelo novo século. 
Maggie Smith, por exemplo, é Constance Trentham, uma condessa viúva, cujo falecido marido não lhe deixou nenhum dinheiro, afundada em dívidas e dependente de uma pensão paga por seu sobrinho, Sir William McCordle (Michael Gambon). Sua criada, Mary (Kelly MacDonald), admira sua patroa e ainda está aprendendo o ofício, não sem ter de aturar a fina ironia da condessa. Assim Gosford Park segue, retratando uma época sem romantizá-la. Neste ponto, o filme é muito diferente de Downton Abbey: os criados não são tão recatados como na série, e os casos de patrões com empregadas são coisa comum, bem como os palavrões, pronunciados sem recato algum por quase todo mundo. Para marcar o tema do filme, Altman não fez uma única cena sem que um criado estivesse ausente. Eles sempre estão por ali, testemunhando a vida fútil e confortável de seus senhores, sem poder desfrutar de algo parecido.
Simbólico também é o fato de que, quando acontece o assassinato, parece que ninguém dá a mínima para o ocorrido, simplesmente continuando com suas vidas como se nada houvesse acontecido. Os jantares e festas continuam, mostrando uma sociedade extremamente individualista e hipócrita.
Diretor de atores como poucos, Altman estimulou o improviso durante as filmagens, deixando as câmeras mais escondidas nas cenas de jantares e conversas coletivas, tudo para tornar mais naturais as reações do elenco, conferindo um tom realista ao filme.
Sem descuidar da verossimilhança, o roteiro de Julian Fellowes dá um desfecho surpreendente à trama, coroando com precisão um tesouro do cinema moderno, algo que somente duas mentes geniais reunidas poderiam realizar. Trata-se de grande, excelente, puro cinema.

Assassinato em Gosford Park (2001) on IMDb

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